Discricionariedade: O que é e quais as características?
Descubra o que é discricionariedade, seus limites e como ela afeta a Administração Pública e a atuação jurídica. Guia prático para advogados e profissionais do Direito.

Se você atua no mundo jurídico, já deve ter se deparado com o termo discricionariedade mais de uma vez — principalmente ao lidar com questões relacionadas à Administração Pública. Mas, afinal, o que esse conceito realmente significa na prática? E mais: até onde vai o poder do agente público ao tomar decisões que não estão 100% determinadas pela lei?
A discricionariedade é um dos pilares da atuação administrativa no Brasil. Ela representa aquele “espaço de decisão” que o gestor público tem ao aplicar a lei, com certa liberdade para escolher a melhor forma de agir, desde que respeite os limites legais e os princípios do Direito Administrativo. Só que essa liberdade não é absoluta — e entender isso é essencial para quem quer atuar com segurança e estratégia.
Neste conteúdo, você vai entender de forma clara:
- o que é discricionariedade,
- como ela funciona dentro da Administração Pública,
- quais são os atos que se enquadram nessa categoria,
- e, claro, quais são os limites jurídicos para evitar abusos ou arbitrariedades.
Se você quer dominar esse conceito de uma vez por todas, seja para atuar preventivamente ou contestar atos administrativos, esse guia é pra você.
O que é discricionariedade no Direito?
Discricionariedade, no contexto jurídico, é a liberdade de escolha que a lei confere ao agente público para decidir, dentro dos limites legais, qual a melhor forma de agir diante de uma situação específica. Em outras palavras, é o espaço que o Direito dá para que o administrador público decida como e quando aplicar determinada norma, considerando o interesse público e as particularidades do caso concreto.
Mas atenção: discricionariedade não é sinônimo de arbitrariedade. Essa confusão é comum, mas extremamente perigosa. Enquanto a discricionariedade é legal e fundamentada em critérios técnicos e razoáveis, a arbitrariedade ocorre quando o agente age fora dos limites da legalidade, ignorando os princípios administrativos — como moralidade, impessoalidade e eficiência.
Na prática, a discricionariedade aparece em decisões como concessão de licenças, aplicação de sanções disciplinares, nomeações para cargos em comissão, entre outras situações em que a lei permite margem de avaliação.
É importante destacar que a discricionariedade não se aplica à escolha de cumprir ou não a lei, e sim à forma de cumpri-la quando há mais de uma alternativa possível. Por isso, entender esse conceito é essencial para avaliar se um ato administrativo foi legítimo ou ultrapassou os limites do razoável.
Discricionariedade na Administração Pública: como funciona?
Na prática da Administração Pública, a discricionariedade é uma ferramenta essencial para a gestão eficiente e contextualizada das políticas públicas. Isso porque nem tudo está rigidamente previsto em lei. Existem situações em que o gestor público precisa escolher entre diferentes caminhos igualmente legais, com base em critérios de oportunidade, conveniência e interesse público.
Vamos a um exemplo simples: imagine que a prefeitura de uma cidade precise revitalizar uma praça ou reformar uma escola. Ambas as ações são importantes e têm respaldo legal. Cabe à administração decidir qual executar primeiro, de acordo com fatores como orçamento, urgência e demanda social. Esse é um ato típico de discricionariedade administrativa.
Mas esse poder vem acompanhado de responsabilidade. O gestor não pode decidir com base em preferências pessoais ou interesses políticos. Suas escolhas devem respeitar os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Ou seja, há um limite ético e jurídico para essa liberdade de decisão.
Além disso, a discricionariedade pode (e deve) ser controlada pelo Poder Judiciário quando há indícios de abuso, desvio de finalidade ou violação de direitos fundamentais. O papel do advogado aqui é fundamental: analisar se o ato respeita a margem legal permitida ou se extrapola seus limites.
Quais são os atos discricionários?
Os atos discricionários são aqueles praticados pela Administração Pública em que a lei não estabelece uma única forma de agir, permitindo ao agente público certa liberdade para decidir conforme a situação. Mas vale lembrar: essa liberdade sempre deve respeitar os limites legais e os princípios constitucionais.
Esses atos surgem, geralmente, em situações que envolvem juízo de valor, como conveniência e oportunidade. Veja alguns exemplos bastante comuns:
- Nomeações para cargos comissionados
- Concessão de licenças ou autorizações
- Aplicação de sanções administrativas (como advertências ou suspensões)
- Escolha de prioridades em políticas públicas
- Desapropriações por utilidade pública
Em todos esses casos, a administração pode escolher o momento, a forma e até mesmo se deve ou não agir — desde que exista uma base legal mínima e a decisão esteja alinhada ao interesse público.
Importante: muitos desses atos têm partes vinculadas e partes discricionárias. Por exemplo, o agente pode ter liberdade para escolher a sanção (advertência ou suspensão), mas a existência da infração e o direito à ampla defesa são obrigatórios.
Conhecer os limites e possibilidades dos atos discricionários ajuda o advogado a identificar possíveis abusos e orientar seus clientes com mais segurança, seja na via administrativa ou judicial.
Quais os limites do poder discricionário?
Apesar de permitir certa liberdade, o poder discricionário não é absoluto — e nem deveria ser. Ele está sujeito a uma série de limitações legais e princípios constitucionais que garantem que o agente público atue de forma justa, ética e dentro dos interesses da coletividade.
Esses limites estão diretamente ligados aos chamados princípios da Administração Pública, previstos no artigo 37 da Constituição Federal. São eles:
- Legalidade: todo ato deve ter base na lei.
- Impessoalidade: decisões não podem beneficiar ou prejudicar pessoas específicas.
- Moralidade: exige conduta ética e compatível com os valores da sociedade.
- Publicidade: os atos devem ser transparentes e acessíveis.
- Eficiência: o interesse público deve ser atendido com o melhor uso possível dos recursos.
Além disso, o poder discricionário também está submetido ao controle judicial. Isso significa que, embora o juiz não possa substituir a decisão do administrador em si, ele pode sim verificar se houve desvio de finalidade, abuso de poder ou falta de motivação. Quando isso acontece, o ato pode ser anulado.
Outro ponto importante é que todo ato discricionário deve ser motivado. O agente precisa justificar sua decisão com base em critérios objetivos. Nada de “decidir por decidir”.
Portanto, conhecer esses limites é essencial para evitar a banalização da discricionariedade e proteger o cidadão de possíveis arbitrariedades.
Diferença entre ato vinculado e ato discricionário
Saber a diferença entre ato vinculado e ato discricionário é essencial para quem trabalha com Direito Administrativo — e pode evitar muita dor de cabeça na hora de questionar uma decisão pública ou orientar um cliente.
O ato vinculado é aquele em que a lei determina exatamente o que deve ser feito, sem espaço para escolhas pessoais do agente público. Ou seja, se os requisitos estão preenchidos, o ato deve ser praticado, sem margem de interpretação. Um bom exemplo é a expedição de um alvará quando toda a documentação exigida foi apresentada.
Já o ato discricionário é diferente: ele acontece quando a própria norma permite que o agente público avalie a melhor forma de agir, levando em conta critérios de oportunidade, conveniência e interesse público. A concessão de uma licença para funcionamento de um evento, por exemplo, pode depender dessa análise mais subjetiva.
👉 A principal diferença está na margem de decisão:
- No ato vinculado, a decisão é automática.
- No ato discricionário, há liberdade limitada para decidir.
Mesmo nos atos discricionários, porém, o administrador não pode agir de forma arbitrária ou sem justificativa. E o controle judicial pode ocorrer em ambos os casos, especialmente se houver violação a princípios legais.
Como a discricionariedade impacta a atuação jurídica?
A discricionariedade pode parecer um conceito puramente teórico, mas na prática, ela afeta diretamente o trabalho dos advogados — seja na defesa de clientes contra atos administrativos, seja na atuação consultiva, ao orientar empresas ou órgãos públicos.
Entender a fundo esse conceito é essencial para:
- identificar abusos de poder ou desvios de finalidade em decisões administrativas;
- impugnar atos discricionários que ultrapassem os limites legais ou contrários ao interesse público;
- redigir petições mais fundamentadas, com base em princípios constitucionais e jurisprudência;
- aconselhar gestores públicos sobre como tomar decisões legais, éticas e sustentáveis.
Além disso, o domínio sobre os limites e as aplicações da discricionariedade permite ao profissional do Direito atuar com mais estratégia. Em muitas situações, um ato administrativo que, à primeira vista, parece legítimo, pode conter vícios ocultos justamente por estar “travestido” de discricionariedade, mas ser, na verdade, arbitrário.
Para advogados que atuam no contencioso administrativo ou em áreas como licitações, contratos públicos e direito disciplinar, o conhecimento sobre discricionariedade não é apenas útil — é essencial.
No fim das contas, é esse domínio técnico que diferencia uma atuação comum de uma atuação verdadeiramente estratégica e segura.
Conclusão
Entender o conceito de discricionariedade e seu funcionamento na Administração Pública é fundamental para quem atua no Direito. Como vimos, esse poder de decisão permite aos agentes públicos certa liberdade para agir conforme o interesse público, mas sempre dentro de limites legais e princípios éticos.
Saber identificar os atos discricionários, compreender seus limites e distinguir esses atos dos vinculados é essencial para garantir a legalidade e a transparência das decisões administrativas. Além disso, para advogados, esse conhecimento é uma poderosa ferramenta para atuar com segurança e eficiência, seja para contestar atos abusivos, orientar clientes ou mesmo para prestar consultoria preventiva.
Por fim, a discricionariedade mostra o equilíbrio necessário entre a rigidez da lei e a flexibilidade da administração pública, sempre buscando o melhor resultado para a sociedade. Dominar esse tema contribui para fortalecer a confiança no Estado e assegurar que o poder público atue de forma justa e responsável.